quinta-feira, 8 de abril de 2010

Sapatos macios


Rodei todas as lojas. Revirei os estoques, olhei, pesquisei, experimentei. O sapato que me servia haveria de existir em algum lugar. Vermelho. Tinha de ter o solado vermelho-sangue, bem Louboutin. Difícil? Muito. Aliás, o que não era difícil na minha vida? Até aqui nada se resumia a ver, comprar e pagar. Tinha a parte da escolha. E aí é que o barraco desaba: por que a gente tem de fazer escolhas?

Nunca tive muita facilidade para optar. Todos os caminhos, até os mais inimagináveis, tinham o seu lado bom e ruim. Como o açúcar, que é uma delícia para os bolos, tortas, chocolates e no café, mas que também engorda. Eu também sei admirar uma gordinha, uma mulher ao estilo Botero, com suas curvas voluptuosas, rosto liso e sorriso sensual. Tudo nessa vida - exceto a violência e escovação de dentes - tem seu charme.
Li uma matéria sobre esse negócio de ter de escolher e de querer mudar de ideia, de opinião e até de sexo. O Ney Matogrosso, ele mesmo, o das caras e bocas e de um rebolation de deixar baiano no chão, agora canta de terno e gravata. E é filho de militar rígido com direito a deserção da marinha. Ney disse numa entrevista à revista Gloss (abril) que a mudança faz bem e que ele muda sem um pingo de remorso. Muda de opinião como quem muda de roupa - claro, com muita classe e toda a certeza do mundo. É a tal da metamorfose ambulante de que tanto falava o Raul Seixas. Li a entrevista, sentada no ônibus, enquanto pensava no sapato de solado vermelho que comprei às pressas, numa lojinha da esquina da São Paulo com Tupis em BH na noite anterior e que agora não me parecia tão irresistível assim. Li e não me senti tão culpada em não gostar mais daquele sapato até pouco tempo tão desejável.

Sabe de uma coisa? Assim como o Ney, o Raul e o meu relacionamento com os meus sapatos - que nem sempre são tão macios quanto bonitos - todos têm direito a mudar. Digo ver as coisas sob outro ponto de vista ou pelo menos do ponto de vista do vizinho chato que não dorme depois das 5:30 porque você anda pra lá e pra cá no andar de cima com seus sapatos de salto agulha. Mude o ponto de vista. Como num passe de mágica, você muda de opinião. Ou, no mínimo, não terá tanta opinião formada assim sobre tudo.

C'est la vie... vai me dizer que não é assim? Se acha que não, então é porque você sempre calçou sapatos lindos, macios e que não fazem barulho. Vai ver, até pisa em alguém, mas com pantufas de pelúcia...

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