segunda-feira, 19 de abril de 2010

Meninas malvadas ou mães amedrontadas


Maria Helena chegou de viagem direto para o trabalho. Veio pensando em muitas coisas, mas o que mais a fez gastar neurônios foi sobre como iria contar à filha adolescente que não comprara o pacote de ingressos com abadá para aquela micareta que ela queria tanto. Como explicar a ela que sua mãe não pôde fazer isso simplesmente porque não tinha grana para lhe dar esse "presentinho" extra de fim de mês, e que na semana que vem isso será possível? É verdade que ela não acharia aquele ingresso vip, de camarote especial, com direito a lugar privilegiada para ver a tal cantora rebolante do axé do momento... mas, afinal, esse não seria o seu último fim de semana!
Maria Helena sabia que de nada adiantaria a explicação. Ficou pensando se era melhor mentir. "Filha, o lugar onde se compram os ingressos estava fechado no fim de semana e eu não encontrei ninguém vendendo na cidade". Tosco. A resposta seria óbvia: "mãe, outra mentira?!!".
Não. Não seria a primeira de algumas que ela andou inventando para tentar passar a filha mais velha no bico e fugir de uma discussão. Da última vez foi aquela ida ao cinema que não deu certo por causa do trabalho. Antes tinha dito que iria com ela à academia, mas deu o bolo com a desculpa de que o joelho estava doendo demais. No início do ano disse que tinha conversado com o pai a respeito das notas baixas, mas na verdade camuflou a história e cortou metade dos incidentes que aconteceram com as amigas da escola pra evitar uma briga entre os dois. E o namoradinho esquisito e mais velho? Aquilo foi um terror que graças a Deus já havia passado, deixando muitas marcas, lágrimas e... mentiras.
A mentira havia se tornado uma rotina entre as duas.Uma rotina perigosa, porque a mocinha já estava ciente das, digamos, "trapaças" da mãe. Saberia, mas cedo ou mais tarde, tirar proveito dessas falhas. Isso sem falar nas falhas de comportamento que haveria de levar consigo pela vida afora por conta desse "hábito". E tudo por medo. Maria Helena tinha consciência disso e se martirizava a cada palavra bem colocada na frase montada a caminho de casa. Continuava, porém, por medo da reação da filha, do seu olhar dilacerante de reprovação e das palavras frias que poderiam sair da sua boca, cortando como um punhal seu pobre coração materno em miúdos pedacinhos ensanguentados... Ai que medo de ver sua menininha se transformar no monstro do anúncio de halls e ela não conseguir reagir como uma mãe sensata reagiria!
Maria Helena tinha medo do óbvio: a ira adolescente que é tão comum, que deveria não mais ser um tabu, nem um problema, mas que ainda é bastante aterrorizante para boa parte das mães e pais. A ira que dura alguns minutos ou algumas horas, que pode se estender no máximo por um dia ou dois acompanhada de choro e ranger de dentes, transformada em seguida em um silêncio sepulcral, para depois desaguar num mar de lamentações com frases de efeito e ir afinando como um córrego, um regato, um fiapinho d'água de nada. Mas que faz doer.
Se ser mãe "é padecer num paraíso" como diz um poeta, ser mãe de adolescente contrariado, para a pobre Maria Helena, era padecer num paraíso com requintes de crueldade. Ela tinha muito medo dessa tortura que é dizer "não". Quase sempre ficava no "talvez" por uma ou duas semanas, para no fim ceder sob total pressão e a ameaça da guilhotina emocional.
Haveria uma maneira de não mentir? Sim. E ela estava agora, depois de toda essa reflexão que se passou entre o Anel Rodoviário e a Avenida Afonso Pena, disposta a ser verdadeira. Dolorosamente verdadeira. E foi-se, conformada, para o escritório. Ao menos ainda faltavam 11 horas para chegar em casa...
* A ilustração acima é do blog vitaminaj.wordpress.com/.../

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