terça-feira, 22 de setembro de 2009

Sobre cães e homens


Nessas andanças que tenho feito, muito venho pensando sobre as diferenças de tratamento que damos a pessoas e animais.
Tenho uma cadelinha de nome Morena, que me traz muita alegria. Outro dia, vendo a arrogância com que certo funcionário público tratou um cidadão, me chegou a lembrança da minha Morena, toda alegre diante dos meus carinhos e afagos – coisa que o tal cidadão, diante da tamanha penúria em que se encontrava, certamente merecesse muito mais. Me veio também à mente a frase dita por um certo senhor lá de Curvelo: “quanto mais conheço os homens, mais admiro meus cachorros”. Deve ser porque também ando vendo a deslealdade e a preguiça correndo soltas em tantas frentes quanto possíveis – especialmente na política. Lealdade e prontidão são virtudes que os cães trazem no seu DNA e que os homens – pobres racionais – ainda não aprenderam a ter nem consigo mesmos.
No caminho de Curvelo a Diamantina, dentro do ônibus sacolejante, notei o ar de desprezo com que o passageiro, impaciente, tratou o humilde trocador em início de função, mesmo este último dedicando-lhe atenção e paciência em igual dose. Fui apurar – de ouvido na conversa – e constatei que tratava-se de um certo doutor, com pressa de chegar ao destino.
Morena surgiu de novo nos meus pensamentos, de olhinhos alegres e calda balançante, logo depois de levar um esfregão por conta do xixi no sofá. Talvez o trocador, se lesse essas maltraçadas linhas, estranhasse a comparação. Mas juro que é uma sincera homenagem.
As andanças têm me delegado o poder de ver o invisível e de passar despercebida. Tenho visto um pouco de mim mesma em tipos que rejeitei e sentido uma necessidade imensa de compartilhar segredos com estranhos, companheiros de viagem, como se estes fossem terapeutas em permanente plantão - o que é muito proveitoso, já que me livram do peso dos pré-julgamentos. Eles se vão e eu me vou. E pronto. É a liberdade de que os cães desfrutam há milênios, andando aí pelas ruas livres do juízo alheio. Há muitos que desejariam imensamente viver como eles, sonhando em ser como a minha Morena, que tem cama, comida e pêlo lavado, além de muito carinho, gozando, portanto, de privilégios distantes de muitos seres humanos. No entanto, me armo em defesa dos cães, esses anjos de quatro patas: há os humanos que nem de longe se comportam como o mais sarnento dos vira-latas, de tão incapazes de demonstrar fidelidade ou sequer uma gentileza (um abano de calda então, nem pensar!). De modo que pensarei melhor agora, diante da velha máxima: “êta vida de cão!” (quem nos dera!).

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