terça-feira, 27 de abril de 2010

Para Isabel Clemente, do 7X7


Meus caros, o post abaixo foi enviado para o blog Época 7X7 , que eu sigo, com atenção e prazer todos os dias. Trata-se de um comentário que fiz para o post de hoje da Isabel Clemente, jornalista de Época em Brasília, sobre as tais pulserinhas do sexo. Quem quiser conferir o post dela, é só clicar aqui http://colunas.epoca.globo.com/mulher7por7/2010/04/27/as-pulseiras-e-os-criminosos-sem-punicao/

Aqui vai o meu comentário sobre o texto dela e que acabei por decidir publicar no Blog da Lili.


Isabel, por favor, leia o relato que se segue:

"14:30. Hora do recreio numa escola pública de Belo Horizonte (MG):
Menina 1 - Oi! Olha só as pulserinhas que minha prima me deu!

Menina 2 - Eu vi... que lindo!!!

Menina 1 - É.. ta todo mundo usando... quer dizer, tudo mundo que pode, né? Essas pulserinhas são caras... as originais, porque tem um tantao falsificadas. Na televisão, naquele seriado (disse o nome) ta todo mundo usando, cê não viu?

Menina 2 - Ah... eu vi, sim! Do... (disse o nome do canal), né???

Menina 1 - É, mas aqui no Brasil também tem artista usando... só que é caro!

Menina 2 - Eu vou pedir mamãe pra comprar pra mim!
Menina 1 - Precisa não, boba! Eu te dou uma!

Menina 2 - Sério?!!!
Menina 1 - Uai... mas eu te dou uma preta, ta?
Menina 2 - Ah... me dá uma rosa?

Menina 1 - Não, rosa agora não. Só se você vier com a preta amanhã pra aula. Porque teve uma colega minha lá da sala 3 que eu dei e ela perdeu.

Menina 2 - Mas eu juro que eu não perco. Lembra que você me emprestou o lápis aquele dia, então, eu não perdi, te devolvi direitinho.... me dá a rosa???

Menina 1 - Ta bom. Eu te dou, mas ce tem que \"vim\" com ela amanhã, ta. Aí a minha prima vai ver que você ta usando e vai me dar mais e eu te dou mais uma...

Menina 2 - Beleza! As meninas lá do prédio vão ficar com inveja! Ninguém tem dessa pulserinha lá! E tem uma colega minha lá que ta doidinha querendo..."


Isabel, as pulseiras são muito reais e perigosas. Digo isso porque a "Menina 2" é minha filha de 8 anos, que foi induzida há três meses a usar uma dessas inocentes pulseiras. Graças a Deus, em casa conversamos muito todos os dias e eu nunca aceitei que meus filhos recebessem presentes de colegas ou usassem objetos de desconhecidos. Por isso, ela devolveu a pulseira, mesmo sem sabermos ainda do perigo que corria (na época eu não sabia do segredo das pulseiras). A coleguinha insistiu que usasse, mas ela devolveu. Dias mais tarde minha filha me surpreendeu com uma conversa que me deixou aterrorizada:


Minha filha - Mamãe, sabe aquela pulserinha que você me mandou devolver? Sabe o que ela significa?

Eu, toda inocente - Que quem usa tem um tremendo mau gosto? (rsrs)

Minha filha - Não, mãe! É sério... la na escola quem usa a pulserinha rosa tem de dar beijo na boca! Uma menina teve dar um beijo na boca do menino porque ela tava com a pulserinha...

Eu, caindo em mim - O quê???

Minha filha - Uai, cê não sabe não, mãe? A branca é abraço. A rosa é beijo...
E foi contando tudo, assim, como um adulto faria, nos mínimos detalhes, até chegar à pulserinha cuja cor eu nem sei dizer, e cujo significado é "sexo oral".

Isabel, tomei um susto. Minha filha de oito anos me descreveu o passo-a-passo das tais pulseiras, como se fosse um manual do Kamasutra. Fiquei sem fala. Me senti a pior das mães, uma jornalista desinformada sobre os próprios filhos. O assunto veio à tona no mesmo dia à noite, com o escândalo da menina de Londrina e depois outro e outro caso. Meninas e também meninos menores estavam usando - e abusando - do acessório aparentemente tão inocente quanto um "caiu no poço!" que brincávamos quando crianças. Só que agora a "salada mista" equivale a uma pulseira dourada, que rompida obriga o usuário a oferecer-se em sacrifício como numa orgia.

Sei que algumas pessoas acham que proibir não resolve e que isso seria uma espécie de confissão de culpa da/do menina/menino (sim, há meninos também), como se tivesse que pedir permissão para usar uma roupa ou um acessório (vide caso Geiza). Mas o que estou dizendo é que crianças não têm noção dos artifícios que adultos estão usando para atraí-las. Na hora do "pega pra capar" não são apenas adultos que entram em ação. São outras crianças e adolescentes, iguais àquelas usadas como escudo e como mulas na guerra do tráfico.

No início, a proibição do uso de mini-saias e shortinhos em escolas não foi uma simples atitude moralista, nem uma prevenção ao crime sexual. Foi uma questão relacionada à organização escolar - afinal, uniforme é uniforme. Mas querendo ou não, hoje isso vai além, porque a sexualidade, estimulada em demasia, fez com que meninos e meninas perdessem a noção dos cuidados consigo mesmos e com o outro. Cuidados que cabem aos pais e mães que deveriam dialogar, procurar saber, conversar, se informar. Eu sei disso, quem lê esse blog também sabe. Mas também sabemos que a maioria dos pais de hoje - isso se aplica em maior escala nas escolas públicas e comunidades carentes - são ainda os adolescentes de anteontem! E aí? Converse com uma mãe, como eu conversei durante anos como professora e vocês saberão.

Numa escola particular mostrada no seriado de tv, as saias curtas e as blusas amarradas na altura do umbigo são inspiração para as garotinhas inocentes fãs de grupos musicais. Mas na vida real, elas são um elogio à sensualidade precoce, quando meninas e meninos ainda não estão preparados para usar pulseirinhas de segundas e terceiras intenções. Se pais e mães têm maturidade e equilíbrio para orientar seus filhos a diferenciar a situação real da fantasia, ok. Mas... não pensamos nem fomos educados da mesma forma. Isso é real. E é isso que me preocupa muito todos os dias, quando vejo minha filha dormindo inocentemente agarrada ao seu burrico de pelúcia cor-de-rosa, enquanto la fora há gente maquinando como estuprar crianças, ou em como torturá-las (mesmo aquelas que são adotadas e deveriam ser mais bem cuidadas). Lendo o depoimento da Dra. Maria José, fico pensando se não estamos regredindo como seres humanos, a um tempo em que o infanticídio - e suas diversas formas - era uma coisa banal. E não tem sido?

A polêmica das pulseiras está aberta, mas creio que uma verdade ninguém vai negar: as pulseiras são apenas uma das muitas e muitas artimanhas das duas faces da pedofilia - a condenada publicamente e aquela que entra em nossas casas com a nossa permissão, pela antena da tv.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Meninas malvadas ou mães amedrontadas


Maria Helena chegou de viagem direto para o trabalho. Veio pensando em muitas coisas, mas o que mais a fez gastar neurônios foi sobre como iria contar à filha adolescente que não comprara o pacote de ingressos com abadá para aquela micareta que ela queria tanto. Como explicar a ela que sua mãe não pôde fazer isso simplesmente porque não tinha grana para lhe dar esse "presentinho" extra de fim de mês, e que na semana que vem isso será possível? É verdade que ela não acharia aquele ingresso vip, de camarote especial, com direito a lugar privilegiada para ver a tal cantora rebolante do axé do momento... mas, afinal, esse não seria o seu último fim de semana!
Maria Helena sabia que de nada adiantaria a explicação. Ficou pensando se era melhor mentir. "Filha, o lugar onde se compram os ingressos estava fechado no fim de semana e eu não encontrei ninguém vendendo na cidade". Tosco. A resposta seria óbvia: "mãe, outra mentira?!!".
Não. Não seria a primeira de algumas que ela andou inventando para tentar passar a filha mais velha no bico e fugir de uma discussão. Da última vez foi aquela ida ao cinema que não deu certo por causa do trabalho. Antes tinha dito que iria com ela à academia, mas deu o bolo com a desculpa de que o joelho estava doendo demais. No início do ano disse que tinha conversado com o pai a respeito das notas baixas, mas na verdade camuflou a história e cortou metade dos incidentes que aconteceram com as amigas da escola pra evitar uma briga entre os dois. E o namoradinho esquisito e mais velho? Aquilo foi um terror que graças a Deus já havia passado, deixando muitas marcas, lágrimas e... mentiras.
A mentira havia se tornado uma rotina entre as duas.Uma rotina perigosa, porque a mocinha já estava ciente das, digamos, "trapaças" da mãe. Saberia, mas cedo ou mais tarde, tirar proveito dessas falhas. Isso sem falar nas falhas de comportamento que haveria de levar consigo pela vida afora por conta desse "hábito". E tudo por medo. Maria Helena tinha consciência disso e se martirizava a cada palavra bem colocada na frase montada a caminho de casa. Continuava, porém, por medo da reação da filha, do seu olhar dilacerante de reprovação e das palavras frias que poderiam sair da sua boca, cortando como um punhal seu pobre coração materno em miúdos pedacinhos ensanguentados... Ai que medo de ver sua menininha se transformar no monstro do anúncio de halls e ela não conseguir reagir como uma mãe sensata reagiria!
Maria Helena tinha medo do óbvio: a ira adolescente que é tão comum, que deveria não mais ser um tabu, nem um problema, mas que ainda é bastante aterrorizante para boa parte das mães e pais. A ira que dura alguns minutos ou algumas horas, que pode se estender no máximo por um dia ou dois acompanhada de choro e ranger de dentes, transformada em seguida em um silêncio sepulcral, para depois desaguar num mar de lamentações com frases de efeito e ir afinando como um córrego, um regato, um fiapinho d'água de nada. Mas que faz doer.
Se ser mãe "é padecer num paraíso" como diz um poeta, ser mãe de adolescente contrariado, para a pobre Maria Helena, era padecer num paraíso com requintes de crueldade. Ela tinha muito medo dessa tortura que é dizer "não". Quase sempre ficava no "talvez" por uma ou duas semanas, para no fim ceder sob total pressão e a ameaça da guilhotina emocional.
Haveria uma maneira de não mentir? Sim. E ela estava agora, depois de toda essa reflexão que se passou entre o Anel Rodoviário e a Avenida Afonso Pena, disposta a ser verdadeira. Dolorosamente verdadeira. E foi-se, conformada, para o escritório. Ao menos ainda faltavam 11 horas para chegar em casa...
* A ilustração acima é do blog vitaminaj.wordpress.com/.../

terça-feira, 13 de abril de 2010

Um dia ruim



Começou assim, do nada: acordou, penteou os cabelos numa passada de pente rápida, lavou o rosto sem se olhar no espelho do banheiro e voltou ao quarto, onde uma calça, uma camisa e um paletó lhe cobriram o corpo. Os sapatos de sempre e o beijo de bom dia idem, denunciavam que nada de anormal estava acontecendo naquele início de dia comum. Até o momento em que ele perdera o ônibus das 6:15. Pronto: estava armada a tempestade.

Daí por diante tudo mais seria complicado, a anormalidade havia se instalado, numa sequência de acontecimentos desagradáveis. E pra início de conversa, caía uma garoa chata, logo hoje que ele deixara o guarda-chuva em casa. No ônibus lotado, notou o fio puxado no paletó de cassemira. Só podia ter sido aquele senhor no ponto de ônibus, ansioso pra pegar a vaga reservada aos idosos. Em pé, fez a viagem ouvindo um funk a toda altura, vindo dos fundos do lotação. Gente mais sem gosto! Colocou o fone no ouvido. Melhor ouvir as notícias de chuva e deslizamento.

Enfim, chegou à firma. A recepcionista não lhe dera o mesmo bom dia de sempre, parecia entediada, nada disposta a colaborar. Certamente a moça atrás da ligação telefônica também não. Não se tratava de implicância, mas de uma constatação! O dia, definitivamente não havia começado bem. Mas, suas palavras soaram firmes: quero falar com fulana. Porém, a sicrana do 4º andar não permitira, dissera que não havia ninguém para atendê-lo no momento. É isso mesmo, depois de tantos anos de dedicação à firma, eles simplesmente agora o desprezavam! Mas por que cargas d'água???

Esperou por duas horas. Indignado, disse que subiria assim mesmo. Afinal, tinha pedigree para isso. Decepção. Ninguém estava disposto a atender. Soltou os cachorros na primeira desinfeliz que encontrou e virou-se sem querer explicações. Enfim, a manhã estava perdida. Desceu, saiu disposto a fazer uma reclamação aos superiores. Deu de novo com a cara na porta. A moça sentada ao computador, sequer o atendera direito quando respondeu que o Sr. Fulano estaria fora o dia inteiro. O celular! Sim, tinha liberdade para tanto. Caixa Postal?! Só pode ser de propósito! Secretariazinha duma figa! Mas isso não fica assim. Depois do almoço os pingos seriam postos nos "is".

O elevador subiu e desceu várias vezes antes de chegar à portaria. Na garagem alguém entrou com um monte de pacotes, lhe tapando a visão dos números no painel. Passou novamente do térreo. "Isso aqui está passando da hora de ter uma ascensorista". Desceu as escadas do 2º andar até o desejado, saindo bufando pela porta principal. A camisa suada e as mãos frias, denunciavam a ansiedade do momento. Decidiu que o melhor seria almoçar por ali mesmo, pra ganhar tempo. Tinha muito a fazer hoje. Contas a pagar. Contas a receber. E ainda tinha um exame médico de rotina pra fazer.

No restaurante escolhido, entrou na fila do self-service. Finalmente um lugar de gente civilizada e de bem com a vida... não fosse o garçom atrapalhado, que ao passar lhe derrubou um copo de suco de manga na camisa branca. Esbravejou, xingou, chamou o gerente para fazer as reclamações de praxe. Não adiantaria um paninho com álcool e amaciante. Aquilo afinal era um absurdo! Acomodado numa mesa vip com direito a almoço de graça, sentiu-se um pouquinho melhor. Não que a comida estivesse à altura, já que a salada não era lá essas coisas e o bife muito pequeno. Pediu o sal emprestado na mesa vizinha. A menina, de uns cinco anos, resistiu em lhe entregar. A mãe, ocupada com o celular, nem aí para o embate pelo vidrinho de sal. Ofereceu duas batatinhas fritas em troca, mas a menina lhe mostrou a língua. "Malcriada!!!". Isso a mãe escutou e bem. "Como assim??? O senhor está xingando a minha filha??? Malcriado é o senhor, que não sabe lidar com uma garotinha de cinco anos!!! Seu gerente!!!".

Depois de quase ser expulso do recinto e processado por maustratos à menor, pagou um pirulito para a criança e, de camisa manchada e com fome, dirigiu-se ao ponto do ônibus. Não iria trabalhar mais hoje. Melhor seria ir pra casa, tomar um banho e ver TV.

A garoa voltou a cair e o ponto do ônibus não dispunha de guarita. Não havia sequer uma marquise por perto. Nem um poste tombado onde pudesse esconder-se. Cabelos pingando, pensamentos fogueando na cabeça dolorida, esperava tudo, menos aquele banho de enxurrada que um taxi acelerado lhe dera em seguida. Praguejou sobre o motorista, dizendo a ele tudo o que se diz ao juiz em dia de Cruzeiro X Atlético. Uma boa senhora, de sombrinha, bem que tentou ajudar: "o senhor fique calmo, não adianta esquentar a cabeça..." Interrompeu os conselhos da velhota, afinal "não tem ninguém de cabeça quente aqui!!!!".

Deixou a pasta com os documentos por um instante de lado para procurar um lenço no bolso do paletó com que pudesse enxugar o rosto. Bastou isso para um meliante fazer o serviço. "Seu filho duma p... volta aqui!! Polícia!! Pega! Pega!" Sacolejante, correu avenida abaixo, com água entrando nos sapatos atrás do pivete. Enfiou o pé num bueiro mal tapado e caiu no asfalto, atrapalhando o trânsito. Buzinas insensíveis naquela tarde chuvosa não se deram conta do seu sofrimento. Queria morrer!!! E morreu. Ataque cardíaco.
A mulher, sem nada entender, chorava e dizia que ele acordara meio atordoado, como se já soubesse que partiria. Nem percebeu a roupa especialmente preparada naquele dia incomum, afinal eram 30 anos de casados. Ela havia colocado até um bilhetinho romântico no bolso do paletó, com o perfume que ganhara dele no último Natal. Ele também não havia percebido o café da manhã, que estava pronto, sobre a bancada da cozinha, com direito ao bolo de fubá que ele tanto gostava. Nem provou, coitado! O vizinho testemunhou sua preocupação: ele devia saber... Tinha chegado ao ponto de ônibus com o olhar perdido, como se aquele fosse o último lotação de sua vida! Logo ele, que era tão calmo!
Na firma a notícia comoveu a todos. Tantos anos de relacionamento... A mocinha do 4º andar ficou perplexa, pois tudo correra normalmente não fosse a reunião do departamento que tirou alguns de circulação, daí a falta de gente para atendê-lo. Tadinho... saiu sem receber a boa notícia da promoção que tanto esperava. No cemitério, várias coroas de flores mostravam que era um cara legal e benquisto. Ninguém entendia como tinha ido parar ali, nem como se dera o ataque, no meio da avenida, com o pé enfiado no buraco. Logo ele, que era tão cuidadoso! Certamente, tinha sido um dia ruim. É, todos nós temos...

domingo, 11 de abril de 2010

"A ilha do Se..."


Um telefonema. Bastou isso. A voz não mudou quase nada. Ela quase não acreditou quando ouviu do outro lado: "será que ainda pensa em mim?". E agora, toda vez que a música toca, lá vem a lembrança... "Será que você, ainda pensa em mim? Eu tive um sonho ruim e acordei chorando, por isso eu te liguei..."

Quem ainda não viveu um amor impossível pode não entender o que ela sente toda vez que o telefone toca. Ela, no caso, é "Melissa", nome fictício que dei a uma das minhas entrevistadas para a matéria que daqui a alguns meses pretendo publicar aqui no blog. Melissa tem 41 anos e viveu uma grande paixão quando muito jovem, pela casa dos 18 anos. Jura que foi o grande amor de sua vida, uma paixão avassaladora que quase a fez se mudar de Minas para São Paulo de mala e cuia, largando para trás a faculdade que tanto buscou. Ela não teve coragem de seguir o que seu coração mandava e passou um bom tempo acreditando que o mundo conspiraria para que "Leo" (nome fictício) voltasse. Afinal, tudo que tinham vivido não podia acabar simplesmente com a distância... Até que a realidade lhe bateu à porta, ou melhor, até que uma amiga em comum contou que Leo estava praticamente noivo de outra garota e que ela podia tirar o cavalinho da chuva. Diante disso, perguntou-se depois de chorar e se descabelar por meses: o que fazer senão tocar a vida adiante? Por anos ela esperou um telefonema em que as palavras "eu te amo" soassem sinceramente. Mas...

Hoje, depois de um casamento e dois relacionamentos falidos, Melissa ainda se pergunta por que ele foi tão egoísta e por que ela teve tanto medo de correr atrás do amor da sua vida. E quando tudo parecia mais que resolvido pelo Sr. Destino, que os afastara completamente; quando ela - madura, tres filhos, e ele casado, mais maduro, com filhos, não teriam absolutamente mais nada a se dizer - finalmente o telefonema! E agora?

Melissa está entre as milhares, milhões de mulheres que deixaram de buscar a felicidade por medo das consequências. E ficam morando na "Ilha do Se..." pelo resto de suas vidas, num debate solitário consigo mesmas.
O caso de Melissa é emblemático. E sei que muitos homens e até mulheres irão dizer que eu posso estar maluca, porque afinal essas dúvidas e medos assolam todo mundo independentemente do sexo. Pode ser que sim. Mas ninguém pode negar que as mulheres sofrem muito mais, embora demonstrem ser mais fortes para enfrentar a dor de um amor que se foi, ou de uma família destroçada pela separação, pelo abandono do pai ou da mãe, ou mesmo de uma oportunidade na vida que lhe fora irremediavelmente tirada (pelos outros, pelas circunstâncias ou por si mesmas). E o que essas mulheres fazem com essa dor? Em que elas a transformam? Como lidam com isso pelo resto de suas vidas? É isso que desejo muito saber e acredito que elas também.

Estou aberta à colaboração de todas que quiserem se posicionar em relação ao que Melissa vive e também para se abrirem e contar como aconteceu com elas. Sem nomes, sem culpas, sem medo.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

EU RECOMENDO... Conversa com Danuza



Ela escreve mesmo muito bem e por isso estou reproduzindo aqui o texto publicado na Revista Cláudia (abril/2010).


"Um Quintal

Quando uma pessoa começa a melhorar de vida, pensa logo em comprar uma boa casa. E o que é uma boa casa? É preciso um jardim e uma piscina, imaginam os pais. Eles querem para as crianças uma infância saudável, com confortos que nunca tiveram, mas não pensam no principal: um quintal. Um quintal não precisa ser grande, e o chão deve ser de terra batida. Nele deve haver algumas árvores que não pareçam ter sido plantadas, mas sempre existido. Um abacateiro e uma goiabeira, de goiaba vermelha, são fundamentais. No fundo, um galinheiro tosco, com uma porta quebrada, para que as três ou quatro galinhas possam correr quando alguém quiser pegá-las. Nenhum computador levará uma criança ao deslumbramento que ela terá ao encontrar um ovo e segurá-lo, ainda quentinho. É o mistério da vida nas mãos dela, mais absoluto e mais simples do que qualquer livro de filosofia.Um dia, a cozinheira avisa que vai matar uma galinha para o molho pardo. Os meninos pedem para ver a cena trágica; a mãe não quer, mas a empregada, acostumada, com o facão na mão, facilita. Se a galinha tiver dentro da barriga aquele monte de ovinhos, aí a lição de morte – e de vida – será ainda mais completa. E mais lições serão aprendidas quando alguém sugerir fazer uma peteca com as penas mais duras e algumas palhas de milho. Mas será que alguém sabe do que estou falando?Voltando: esse quintal deve ser meio abandonado, mas muito limpo; duas vezes por dia a empregada, cantando bem alto, dá uma varrida. É importante também que haja um tanque para lavar o pé de alguma criança quando ela pisar descalça numa porcaria, e um varal com pregadores de roupa de madeira. Nesse lugar, não vai ter horta nem pomar organizado. Em compensação, é bom que exista do outro lado do muro uma enorme mangueira para que se possa praticar o melhor crime do mundo: roubar as frutas do vizinho. Nos fundos de um quintal, deve haver também uma touceira de bananeiras ou bambus e, claro, um adulto dizendo sempre para tomar cuidado, pois ali pode ter uma cobra. Não há infância que se preze sem medo de cobra. Quando as goiabas começam a crescer, fica todo mundo de olho até a primeira delas estar no ponto para ser arrancada e mordida ali mesmo, sem lavar. E que sensação terrível quando se vê o bicho da goiaba se mexendo. Aí, sem que ninguém precise dizer nada, você começa a aprender que a vida é assim: ou se compra uma goiaba bonita, mas sem gosto, ou se espera com paciência ela amadurecer no pé até desfrutar o supremo prazer de dar aquela dentada – com direito a bicho e tudo.Mas o tempo voa. De repente você se sente só, abre o caderno de telefones e percebe sua pouca afinidade com os nomes que estão lá, que tem vivido uma vida que não tem nada a ver e começa a procurar um sentido para as coisas. Não encontra resposta, claro, mas um dia está no trânsito, vê um terreno baldio, se lembra daquele quintal no qual não pensa há anos e percebe que essa é a lembrança mais importante e mais feliz de sua vida. E passa a olhar o mundo com a superioridade de quem tem um tesouro guardado dentro do peito, mas ninguém sabe."
Danuza Leão é cronista, autora de vários livros, entre os quais Na Sala com Danuza 2 (ARX) e Quase Tudo (Cia. das Letras)Foto Eduardo Pozella

Sapatos macios


Rodei todas as lojas. Revirei os estoques, olhei, pesquisei, experimentei. O sapato que me servia haveria de existir em algum lugar. Vermelho. Tinha de ter o solado vermelho-sangue, bem Louboutin. Difícil? Muito. Aliás, o que não era difícil na minha vida? Até aqui nada se resumia a ver, comprar e pagar. Tinha a parte da escolha. E aí é que o barraco desaba: por que a gente tem de fazer escolhas?

Nunca tive muita facilidade para optar. Todos os caminhos, até os mais inimagináveis, tinham o seu lado bom e ruim. Como o açúcar, que é uma delícia para os bolos, tortas, chocolates e no café, mas que também engorda. Eu também sei admirar uma gordinha, uma mulher ao estilo Botero, com suas curvas voluptuosas, rosto liso e sorriso sensual. Tudo nessa vida - exceto a violência e escovação de dentes - tem seu charme.
Li uma matéria sobre esse negócio de ter de escolher e de querer mudar de ideia, de opinião e até de sexo. O Ney Matogrosso, ele mesmo, o das caras e bocas e de um rebolation de deixar baiano no chão, agora canta de terno e gravata. E é filho de militar rígido com direito a deserção da marinha. Ney disse numa entrevista à revista Gloss (abril) que a mudança faz bem e que ele muda sem um pingo de remorso. Muda de opinião como quem muda de roupa - claro, com muita classe e toda a certeza do mundo. É a tal da metamorfose ambulante de que tanto falava o Raul Seixas. Li a entrevista, sentada no ônibus, enquanto pensava no sapato de solado vermelho que comprei às pressas, numa lojinha da esquina da São Paulo com Tupis em BH na noite anterior e que agora não me parecia tão irresistível assim. Li e não me senti tão culpada em não gostar mais daquele sapato até pouco tempo tão desejável.

Sabe de uma coisa? Assim como o Ney, o Raul e o meu relacionamento com os meus sapatos - que nem sempre são tão macios quanto bonitos - todos têm direito a mudar. Digo ver as coisas sob outro ponto de vista ou pelo menos do ponto de vista do vizinho chato que não dorme depois das 5:30 porque você anda pra lá e pra cá no andar de cima com seus sapatos de salto agulha. Mude o ponto de vista. Como num passe de mágica, você muda de opinião. Ou, no mínimo, não terá tanta opinião formada assim sobre tudo.

C'est la vie... vai me dizer que não é assim? Se acha que não, então é porque você sempre calçou sapatos lindos, macios e que não fazem barulho. Vai ver, até pisa em alguém, mas com pantufas de pelúcia...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Parece mentira


A gente se afasta das coisas que gosta com muito mais facilidade do que imagina. Quando vê: puf! Já foi. Assim aconteceu comigo. Acontece com mais frequência do que eu gostaria.
A gente não vê quando as pessoas que ama estão ficando distantes, mesmo quando elas estão muito próximas de nós. É uma espécie de hipermetropia: quanto mais perto mais difícil de enxergar. E o que nos coloca nessa situação é justamente a mania que a gente tem de achar tudo muito normal, de gostar inclusive da normalidade das coisas, de preferir a rotina e facilitar o dia-a-dia a ponto de não reconhecer um lapso do outro, de nem ver quando se abriu uma cratera quase lunar entre um abraço quente e um "bom-dia" automático, com hífen.
Jurei que isso não ía acontecer quando me despedi dos amigos eternos de faculdade, quando conheci meu primeiro marido, quando tive meus filhos, quando cheguei na empresa onde trabalho hoje. E repeti por várias vezes o mea culpa como se fosse um rosário. Que nada!
Parece mentira, mas hoje conversei com colegas sobre o quanto somos relapsos com nossos relacionamentos e ficamos metabolizando teorias a respeito disso, tentando convencer a nós mesmos de que é possível não falhar como amiga, mãe, companheira, filha, se formos atentos.
E é aí que a porca torce o rabo, como diz a minha tia Geralda, mulher de fibra e de verdade, que nunca teve filhos e ficou viúva após um casamento de 40 anos com um homem 20 anos mais velho: "Não adianta ter os óculos mais caros e o marido mais bonito. Se não prestar atenção, a gente topa com o dedo no pé da cama e ainda pode perder o amor da vida da gente".
Minha tia tem razão, como quase sempre. Queremos falar bonito, tecer teorias, escrever um milhão de blogs, ler outro milhão de livros, tentando ter o casamento perfeito, ser amigo perfeito, a filha perfeita, a mãe sem defeitos. Procurar a perfeição, assim, com essa loucura, deixa a gente pálida. Bom mesmo é prestar atenção, sem neuras.
Vigiai, mas nem tanto... É preciso ficar um tantinho só longe de quem se ama, pra sentir o quanto essas distâncias crescem e doem. Parece mentira, mas sentir uma dorzinha de vez em quando faz um bem danado.